Levantamento feito pela Sociedade Paulista de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (SPR) na base de dados do DataSUS, do Ministério da Saúde, mostra o impacto da pandemia de Covid-19 na realização de exames de mamografia de rastreamento nos serviços públicos do estado de São Paulo. A análise faz um recorte dos meses de janeiro a agosto dos anos de 2018 a 2023 e mostra que em 2020, primeiro ano da pandemia, o número de procedimentos caiu pela metade quando comparado com os dois anos anteriores. Foram feitas 443 mil mamografias em 2020, contra 803 mil e 822 mil em 2019 e 2018, respectivamente.
Com o avanço das campanhas de vacinação contra a Covid-19 e a redução de casos graves da doença, o volume de exames passou a exibir uma tendência de aumento. De janeiro a agosto de 2021, foram feitas 583 mil mamografias de rastreamento no estado de São Paulo, número que subiu para 796 mil no mesmo período em 2022 e chegou a 803 mil em 2023, o mesmo patamar que se viu em 2018.
“Temos em São Paulo uma das melhores coberturas mamográficas, mas ainda assim abaixo do que seria necessário para melhorar a detecção precoce e identificar a doença em estágio inicial. Muitas mulheres ainda são diagnosticadas quando a doença já progrediu”, observa a médica radiologista Bárbara Bresciani, membro da comissão cientifica da Sociedade Paulista de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (SPR).
A necessidade de ampliar o número anual de exames enfrenta obstáculos como a dificuldade de adesão das próprias pacientes e o problema da distribuição dos mamógrafos. “Há uma boa quantidade de mamógrafos no país, porém distribuídos de modo desigual. A maioria está concentrada nas grandes cidades, com menos equipamentos no interior e regiões mais distantes”, descreve a radiologista.
Os dados consideram as mamografias bilaterais de rastreamento (também conhecidas como mamografia de rotina) realizadas por meio do Sistema Único de Saúde no período, contemplando mulheres que não apresentam queixas, mas fazem periodicamente o exame com a finalidade de encontrar, eventualmente, tumores de mama em fase inicial. Diferente, por exemplo, da mamografia diagnóstica, que é motivada por alguma alteração, sinal de lesão ou sintoma que a mulher tenha, podendo ser um caroço, ondulação, alterações pele e outras anomalias que não seguem o padrão normal da mama ou do mamilo daquela paciente e, a partir disso, investigar a presença de lesão benigna ou maligna (câncer).
Cobertura bem abaixo da recomendada pela OMS
As projeções do IBGE para estimar a pirâmide etária do Estado de São Paulo (1) indicam que, em 2010, a região contava com quase 3 milhões de mulheres com idade entre 40 e 49 anos e 3,2 milhões com idades entre 50 e 64 anos, faixa de referência, segundo o Ministério da Saúde, para a busca ativa para o rastreamento. Para se ter uma ideia do alcance da cobertura mamográfica, quando se considera apenas a mulher acima de 50 anos estimada em 2010, ainda assim as mamografias realizadas na rede pública paulista em 2023 teriam atingido apenas 25% das mulheres com indicação para o rastreamento. A cobertura mamográfica recomendada pela Organização Mundial da Saúde é de 70% da população feminina a partir dos 40 anos, com um exame anual.
Quando deve ter início o rastreamento?
A idade para o início do rastreamento é motivo de debate no país e no mundo. Várias sociedades de especialidade brasileiras e internacionais, seguidas pela SPR, defendem que o primeiro exame seja feito aos 40 anos. A recomendação atual do Ministério da Saúde é que deve ser feito a partir dos 50 anos, com repetição a cada dois anos para mulheres até os 69 anos ou em intervalos menores conforme o resultado da mamografia anterior. Para mulheres entre 40 e 49 anos, segundo o MS, a conduta deve ser individualizada considerando riscos e benefícios dos exames de rastreamento. Como rotina, elas devem passar por um exame clínico durante a consulta médica, com realização de ultrassonografia e mamografia somente com indicação médica. Na rede suplementar, o rastreamento tem início aos 40 anos.
Os dados sobre a incidência do câncer de mama acentuam a urgência do tema. “As evidências científicas vem mostrando um aumento do diagnóstico de câncer de mama em mulheres na faixa dos 40 anos, especialmente mulheres negras”, informa a médica radiologista Bárbara Bresciani. “Na minha prática, tenho visto mulheres com cerca de 30 anos ou pouco mais com câncer de mama. São pacientes sem antecedentes familiares e sem teste genético positivo”, diz a médica.
Diante da necessidade de melhorar a detecção e do aumento de casos em mulheres mais jovens, em maio deste ano, a Força Tarefa de Serviços Preventivos dos Estados Unidos – USPSTF (sigla em inglês para United States Preventive Services Task Force) emitiu recomendações para que o sistema de saúde norte-americano antecipe o início do rastreamento em uma década, começando aos 40 anos em vez de fazê-lo a partir da quinta década. As orientações da USPSTF destacam também a importância de uma abordagem personalizada e baseada no risco para esse rastreio, levando em consideração fatores como histórico familiar, genética e etnia. “Essa mudança pode melhorar significativamente a detecção precoce. A preocupação é garantir que as mulheres não fiquem descobertas sem acesso ao rastreamento entre os 40 e os 50 anos de idade. É uma grande vitória”, afirma Bárbara.
Mamografia digital e tomossíntese
A maioria das mamografias feitas no Brasil atualmente utiliza tecnologia digital. “Há cerca de uma década, ainda havia mamografias realizadas de modo convencional, cuja imagem precisava ser revelada depois de adquirida. Agora, praticamente todos os serviços têm um detector digital, que manda a imagem diretamente para o computador com qualidade muito superior”, esclarece a médica Bárbara.
A tomossíntese é mais um avanço na forma de adquirir as imagens para identificar o câncer de mama. Trata-se de um método de diagnóstico complementar à mamografia que utiliza várias imagens de raios X de baixa dose da mama, adquiridas com angulações diferentes, aumentando a acurácia diagnóstica da mamografia. Embora disponível em algumas instituições de saúde no Brasil, a tomossíntese não é coberta pelos planos de saúde. O Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR) recomenda mamografia anual entre 40 e 74 anos por meio de tomossíntese, se possível.
“A tomossíntese minimiza a sobreposição de tecido mamário, que pode mascarar lesões, e também diminui a necessidade de incidências adicionais, reduzindo eventuais reconvocações para realizar imagens complementares”, diz a radiologista Bárbara. Ela explica que composição das mamas é muito variada. “É uma característica individual de cada mulher, comparável à uma impressão digital. Cada pessoa tem o seu padrão, com uma proporção variável entre gordura e glândula. Se a mama é adiposa, ou seja, gordurosa, o nódulo aparece facilmente porque não tem nada que impeça a passagem do Raio X. Quando algo impede a passagem do Raio X da mamografia, como o tecido glandular, a área fica mais branca, e o tecido mamário pode obscurecer eventuais pequenos nódulos suspeitos”, explica a médica.
De modo geral, nos serviços que já utilizam as máquinas de tomossíntese tem conseguido diminuir as suas taxas de reconvocação de pacientes para complementar os exames. “Esse exame faz imagens de ângulos diferentes, reduzindo as nossas dúvidas e a necessidade de chamar paciente para fazer uma imagem adicional”, diz a médica. De acordo com Bárbara, a taxa de aumento nas detecções com esse tipo de tecnologia pode chegar a cerca de 20%, com diminuição de aproximadamente 30% nas reconvocações.
Sobre o câncer de mama
O câncer de mama é a neoplasia mais prevalente entre as mulheres no Brasil e a principal causa de morte por câncer em todo o país, exceto na Região Norte, onde o câncer de colo do útero passa à frente. A estimativa do Instituto Nacional do Câncer (Inca) é que 74 mil novos casos anuais de câncer de mama ocorram no país por ano entre 2023 e 2025. O câncer de mama apresenta diversos subtipos e diferentes graus de agressividade, o que demanda tratamentos individualizados. “Ainda que não seja uma regra, é mais comum encontrar tumores mais agressivos em mulheres abaixo dos 50 anos. Colabora para isso o fato delas estarem fora da faixa de rastreamento na rede pública, que alcança as mulheres de mais baixa renda”.
Nas últimas décadas, tem sido observada uma tendência global de redução ou estabilização das taxas de mortalidade por câncer de mama em regiões desenvolvidas, como alguns países europeus e nos Estados Unidos. “No Brasil, conforme revelado pelo estudo Inequalities in the Burden of Breast Cancer in Brazil (2), essa queda na mortalidade é vista apenas em áreas mais desenvolvidas”, destaca a médica Barbara Bresciani. O objetivo desse estudo foi analisar o perfil das mulheres brasileiras com câncer de mama e enfatizar a importância do diagnóstico e tratamento rápidos para proporcionar uma maior chance de cura. (Com informações da SENSU Comunicação – 26.10.23)